quinta-feira, 18 de março de 2010

Exclusivo – Autoridade mundial em furacões fala à MetSul sobre ciclones tropicais na costa brasileira

O raro ciclone ainda está no oceano, mas se foi. Está longe. Ficou perto, mas não chegou ao continente como o furacão Catarina. Bateu, literalmente, na trave. Desta vez tivemos sorte. A recorrência de uma tempestade desta natureza, às vésperas do sexto aniversário do Catarina, instiga perguntas. O colaborador da MetSul em Porto Alegre André Pietko da Cunha fez, em comentário, um raciocínio provocador: "Alguém garante com 100% de certeza que o Catarina foi o primeiro furacão no Sul do Brasil ? Se a resposta for sim é no mínimo leviano. Por quê? Porque nos tempos mais remotos se uma tempestade estivesse na costa não poderíamos enxergar sequer o olho e sua anatomia. Não havia satélites, supercomputadores, etc. Conclusão ? Depois de ver agora outra tempestade com olho creio eu que houve outras tempestades consideráveis no passado".
Na conferência internacional sobre mudanças climáticas, em Nova York, nos Estados Unidos, entre 8 e 10 de março do ano passado, tive a oportunidade de conversar com o meteorologista do NOAA Stanley Goldenberg e entrevistá-lo. Ele trabalha na divisão de pesquisas de furacões do NOAA (Hurricane Research Division/AOML/NOAA) em Miami. Seu trabalho permitiu, por exemplo, permitir os mecanismos físicos responsáveis pelo El Niño e melhorias nos primeiros modelos de previsão numéricas de furacões usados pelo National Hurricane Center. Mais recentemente, dedicou-se ao estudo de vários fatores climáticos que influenciam a variabilidade da atividade de furacões no Atlântico em escalas intrasazonais e multidecadais. Participou ainda de quase vinte vôos de reconhecimento em ciclones tropicais a bordo do famoso avião P-3 do NOAA. Seu interesse pelos ciclones cresceu depois que a casa de sua família foi destruída pelo furacão Andrew de 1992. Sua história pessoal no Andrew foi retratada em documentários da National Geographic, Discovery Channel e PBS (rede pública americana). Foi o autor do primeiro trabalho publicado na revista Science que estabeleceu que o Atlântico Norte estava entrando numa fase multidecadal de maior atividade ciclônica. É ainda um dos responsáveis principais pelos prognósticos para cada temporada, a cada ano, do número de tempestades na região. MetSul: Nós tivemos um grande evento traumático no Sul do Brasil do Brasil que foi o furacão Catarina em março de 2004. Al Gore, no seu documentário, sustenta que foi um efeito do aquecimento global. É verdade ? Goldenberg: A questão é que eles querem atribuir a culpa ao aquecimento global por todo o desastre que ocorre. Eles simplesmente não entendem o passado. Eles olham uma tempestade lá e dizem que nunca viram algo assim lá, mas meteorologistas que olham para trás podem descobrir que já houve situação semelhante no passado que pode ter sido uma tempestade, mas não havia satélite. Estas tempestades, certamente, não ocorrem com freqüência no Sul do Brasil, mas o ponto é que a temperatura do mar não estava incrivelmente quente no Catarina, não estava "cozinhando", mas apenas as condições meteorológicas ideais se uniram, o que não ocorre comumente, e houve a tempestade. A questão é que enxergamos ciclos e não é preciso sair correndo culpando o aquecimento global. Isso é uma distorção. MetSul: Então é possível que um furacão tenha ocorrido no passado no Atlântico Sul, mesmo na costa brasileira, mas não havia equipamento, nenhuma tecnologia, para identificá-lo: Goldenberg: (risos) Mesmo com a tecnologia que temos hoje havia alguns cientistas que conheço que tinham problemas em entender que o Catarina foi mesmo um furacão. Eles ainda estavam brigando. Você pode imaginar como tínhamos poucos dados [no passado]. As pessoas não conseguem entender que nós temos uma tempestade, vamos dizer como o furacão Wilma, um categoria 5 muito intenso, Katrina e outros, e como temos coletado muitos dados nestas tempestades. Compare com as tempestades dos anos 50, 40 ou de 1900. Podíamos ter apenas uma observação para dizer o quanto a tempestade era forte. Você está tentando ter uma idéia de como é a cidade de Nova York e você uma uma pessoa com uma câmera tirando algumas fotos versus aeronaves sobrevoando a cidade tirando fotos aéreas, satélites e mil pessoas correndo com câmeras. Essa é a diferença. Ter uma imagem de furacão 40 ou 50 anos atrás comparada aos dias de hoje. MetSul: Todas as vezes que falamos sobre Catarina, nosso furacão de 2004, a questão mais freqüente feita pelas pessoas, especialmente da costa, é: pode acontecer de novo ? Goldenberg: Aconteceu antes, pode acontecer de novo. E as pessoas têm que estar atentas. Espero que seja um evento raro porque é difícil ter tempestades na região, mas certamente pode acontecer de novo e a gente de lá tem que ter consciência disso.

Foto feita por Goldenberg a bordo de um avião caça-furacões que estava no olho do furacão Diana em 1984

MetSul: Eu posso te relatar que depois de 2004, após o furacão, nenhuma medida foi adotada pela defesa civil e os governos locais para se preparar para um outro evento deste tipo como o Catarina. O que você diria as autoridades brasileiras ? Goldenberg: Existe um velho provérbio russo que diz espere pelo melhor, que nunca mais sejamos atingidos, mas prepare-se para o pior. E elas devem adotar medidas razoáveis. Aprendemos com nosso erro e vamos estar mais preparados na próxima vez. MetSul: Então elas devem se preparar....mesmo se ocorra daqui a dez ou vinte anos ? Goldenberg: Eles estarão muito agradecidos se estiverem preparados. Não digo que devam gastar uma fortuna se preparando, mas deveriam se sentar e discutir o que é possível ser feito com o orçamento que temos para estar preparado para a próxima vez e ter algumas coisas prontas. Acontece é que você não vai ter um aviso cinco dias antes. Esse é o problema. Quando acontecer, você poderá ter dois, três, quiçá um dia, de aviso prévio. Eduque-se a população e diga que nunca mais esperamos que aconteça, mas torça pelo melhor, contudo se preparando para o pior.

Autor: Alexandre Amaral de Aguiar Publicado em 11/03/2010 (DIRETO DA METSUL)

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